STJ define critérios para diferenciação entre tráfico e uso pessoal

Cinco pessoas, após denúncia anônima quanto à negociação de drogas em determinado local, foram flagradas pela polícia militar em um matagal, ao redor de um palete contendo grande quantidade de entorpecentes. Inicialmente, três dos acusados fugiram durante a abordagem policial, enquanto dois permaneceram no local. O tribunal de origem condenou todos por tráfico de drogas, baseando-se principalmente na quantidade apreendida. Entretanto, a defesa de um dos acusados alegou que ele estava no local apenas para adquirir drogas para consumo próprio, não para comercialização.

O raciocínio jurídico da decisão

Qual foi a principal tese jurídica fixada pelo STJ neste caso?

O STJ estabeleceu que a simples apreensão de drogas em poder do acusado não é suficiente para caracterizar o crime de tráfico de drogas. Além disso, o tribunal reafirmou que é indispensável a produção de outras circunstâncias indicativas da destinação da droga à comercialização. Simultaneamente, a decisão determinou que cabe ao Ministério Público comprovar, mediante contraditório judicial, os fatos articulados na inicial acusatória.

Consequentemente, quando não há prova suficiente da intenção de comercialização, deve prevalecer o princípio do in dubio pro reo, desclassificando-se a conduta para o crime do artigo 28 da Lei 11.343/2006 (porte para consumo próprio).

Em quais fundamentos constitucionais e legais o STJ baseou sua decisão?

A decisão fundamentou-se primordialmente no princípio da presunção de inocência, estabelecido constitucionalmente. Ademais, o tribunal aplicou o artigo 33 da Lei 11.343/2006, que define o crime de tráfico de drogas, em conjunto com o artigo 28 da mesma lei, que tipifica o porte para consumo próprio.

Adicionalmente, o STJ invocou o princípio do in dubio pro reo, determinando que, diante da dúvida sobre a destinação das drogas, deve-se favorecer a interpretação mais benéfica ao acusado. Finalmente, a corte citou precedente anterior (REsp n. 1.769.822/PA) para reforçar o entendimento sobre a necessidade de prova específica da intenção comercial.

Como o STJ interpretou o núcleo do tipo “trazer consigo” no crime de tráfico?

O tribunal esclareceu que o verbo nuclear “trazer consigo”, previsto no artigo 33 da Lei 11.343/2006, não se limita ao contato direto com a droga junto ao corpo. Por outro lado, a expressão também abrange situações onde o agente tem os entorpecentes à sua imediata disposição, mesmo sem contato corporal imediato.

Portanto, a manutenção das drogas sob a esfera de disponibilidade do agente é suficiente para configurar o referido núcleo do tipo. Entretanto, isso não dispensa a necessidade de comprovar a intenção de comercialização para caracterizar o tráfico propriamente dito.

Por que o tribunal considerou insuficiente a inversão do ônus da prova?

O STJ rejeitou expressamente a premissa adotada pelo tribunal de origem, que afirmou que a presença dos réus “ao redor de grande quantidade e variedade de entorpecentes” inverteria o ônus da prova. Primeiramente, o tribunal superior esclareceu que tal inversão não é permitida no processo penal.

Consequentemente, mesmo diante de quantidade expressiva de drogas, permanece com a acusação o dever de comprovar não apenas a posse, mas também a intenção de comercialização. Além disso, exigir que o acusado prove sua inocência violaria frontalmente o princípio da presunção de inocência.

Quais inconsistências probatórias levaram à desclassificação da conduta?

O STJ identificou diversas falhas na fundamentação da condenação. Primeiramente, o tribunal observou inconsistências entre os depoimentos policiais e as filmagens das bodycams, que não foram adequadamente esclarecidas pela instância inferior.

Simultaneamente, o acórdão recorrido desconsiderou completamente os depoimentos judiciais dos corréus Willian, Luís Henrique e Francian. Estes, de forma unânime, confessaram a prática do tráfico e isentaram completamente o recorrente de qualquer responsabilidade, afirmando que ele era mero usuário presente no local para adquirir entorpecentes.

Adicionalmente, não foi encontrado dinheiro com o acusado, circunstância que enfraqueceu a tese de que ele estaria no local para comercializar drogas. Finalmente, as próprias filmagens demonstraram que o local não funcionava como ponto de venda estabelecido.

Como o STJ aplicou o princípio do “in dubio pro reo” no caso concreto?

Diante das inconsistências probatórias identificadas, o STJ aplicou o princípio do in dubio pro reo de forma exemplar. O tribunal reconheceu que, embora não fosse possível afirmar com absoluta segurança que a hipótese defensiva era verdadeira, também não era possível fazê-lo em relação à hipótese acusatória.

Por conseguinte, prevaleceu a interpretação mais favorável ao réu, resultando na desclassificação da conduta. Desta forma, o acusado teve sua condenação alterada do artigo 33 para o artigo 28 da Lei 11.343/2006, com determinação de expedição imediata de alvará de soltura.

Conclusão

“A simples apreensão de droga em poder do acusado não é suficiente para caracterizar o crime de tráfico de drogas, sendo indispensável que outras circunstâncias indicativas da destinação da droga à comercialização sejam produzidas e valoradas pelo órgão julgador, cabendo ao Ministério Público a produção das provas necessárias à demonstração da hipótese acusatória, com inadmissão da inversão do ônus da prova em desfavor do acusado”

(STJ. Sexta Turma. AgRg no AREsp 2.791.130. Min. Relator Rogerio Schietti Cruz. julgado em 19/08/2025) [inf. 859]

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