Uma mulher encarcerada permaneceu na ala de amamentação do estabelecimento prisional cuidando de seu filho recém-nascido durante aproximadamente seis meses. Posteriormente, a defesa solicitou que esse período contasse como trabalho para fins de remição de pena. Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido. Além disso, alegou que os cuidados maternos constituem dever legal e constitucional da mãe, não se equiparando ao trabalho previsto na Lei de Execução Penal. Consequentemente, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça questionando essa decisão. Por fim, buscou uma interpretação extensiva do conceito de “trabalho” para incluir os cuidados maternos.
O Raciocínio do STJ em perguntas e respostas
Qual foi a principal controvérsia analisada pelo STJ neste caso?
A questão central consistia em determinar se os cuidados maternos prestados pela apenada ao filho na ala de amamentação do presídio podem contar como trabalho para fins de remição de pena. Além disso, o tribunal analisou a interpretação extensiva do artigo 126 da Lei de Execução Penal (LEP).
Como o STJ fundamentou juridicamente a possibilidade de equiparação dos cuidados maternos ao trabalho?
O tribunal baseou sua decisão em diversos fundamentos constitucionais e legais. Primeiramente, destacou que o artigo 7º, inciso XVIII da Constituição Federal equipara o período de licença-maternidade ao trabalho. Consequentemente, assegura não apenas o emprego mas também o recebimento do salário durante 120 dias após o nascimento. Além disso, essa interpretação transcende a esfera trabalhista e atinge a previdenciária. Portanto, o benefício conta como período de contribuição para fins de aposentadoria.
Quais instrumentos internacionais fundamentaram a decisão?
O STJ citou dois importantes tratados internacionais. Inicialmente, mencionou o artigo 24 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, que estabelece que os Estados devem adotar medidas apropriadas para assegurar a nutrição plena da criança. Além disso, inclui o aleitamento materno. Adicionalmente, citou o artigo 11.2 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Consequentemente, eleva a licença-maternidade como medida necessária para coibir a discriminação da mulher e efetivar o seu direito ao trabalho.
Como a jurisprudência anterior influenciou esta decisão?
O tribunal destacou que a jurisprudência já vinha flexibilizando as regras de remição para reconhecer atividades não expressas no texto legal. Conforme precedente citado, esta Corte tem reconhecido a remição através de atividades como leitura, estudo por conta própria e tarefas de artesanato. Portanto, seria razoável aplicar o mesmo entendimento aos cuidados maternos. Ademais, tais cuidados possuem caráter ressocializador reconhecido.
Qual a importância da perspectiva de gênero nesta decisão?
O STJ enfatizou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ. Assim, orienta magistrados a considerarem as desigualdades de gênero nos processos judiciais. Além disso, o tribunal reconheceu que a interpretação extensiva do termo “trabalho” é essencial para garantir equidade de gênero no acesso à remição. Particularmente, considerou que as mulheres encarceradas enfrentam dificuldades significativamente maiores para reduzir o tempo de cumprimento da pena. Consequentemente, isso ocorre devido à sua responsabilidade no cuidado de crianças pequenas.
Como o tribunal caracterizou a natureza dos cuidados maternos?
O STJ estabeleceu que a amamentação e os cuidados maternos constituem formas de trabalho que exigem esforço contínuo, dedicação e tempo. Ademais, são indispensáveis ao desenvolvimento saudável da criança. Portanto, o tribunal rejeitou a argumentação de que tais cuidados constituem meramente deveres legais. Consequentemente, reconheceu seu valor social e econômico substantivo.
Qual foi o posicionamento contrário apresentado no julgamento?
O voto divergente, liderado pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, argumentou que a equiparação violaria o princípio da legalidade penal. Segundo essa corrente, os cuidados maternos constituem direitos constitucionais assegurados pelo artigo 5º, inciso L e pelo artigo 227 da Constituição Federal. Portanto, não se configuram como trabalho no sentido técnico-jurídico da LEP. Adicionalmente, alertaram para riscos de violação do princípio da isonomia. Além disso, destacaram a necessidade de parametrização legal adequada.
Como o tribunal definiu a quantificação do período para remição?
O tribunal determinou que o período a considerar deve abranger todo o tempo compreendido pela amamentação e cuidado do filho no cárcere. Assim, seguiu o previsto no artigo 83, parágrafo 2º da LEP. Consequentemente, estabelece que os estabelecimentos penais destinados a mulheres devem contar com berçário onde as condenadas possam cuidar de seus filhos por, no mínimo, até seis meses de idade.
Tese Fixada
Tese fixada: “1. A interpretação extensiva do termo ‘trabalho’ no art. 126 da LEP inclui os cuidados maternos como atividade para fins de remição de pena. 2. A amamentação e os cuidados maternos constituem formas de trabalho para remição de pena, considerando sua importância para o desenvolvimento da criança. 3. As desigualdades de gênero devem orientar as decisões judiciais, eliminando estereótipos que influenciam negativamente as decisões”. (STJ. 3ª Seção. HC 920.980/SP. julgado em 13/08/2025) [inf. 859]