Investigação criminal de prefeito: STJ define que a autorização judicial prévia é desnecessária

Um prefeito municipal foi denunciado por crime de descumprimento de ordem judicial, previsto no Decreto-Lei nº 201/1967. Entretanto, a defesa questionou a validade do procedimento investigatório, alegando que o mesmo foi instaurado sem autorização prévia do Tribunal de Justiça, mesmo sendo o investigado detentor de foro por prerrogativa de função. Posteriormente, o caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça através de habeas corpus, onde se discutiu se a ausência de autorização judicial prévia para investigar autoridades com foro especial acarretaria nulidade do procedimento.

O raciocínio jurídico da decisão

Qual foi a principal tese jurídica fixada pelo STJ neste caso?

O Superior Tribunal de Justiça estabeleceu duas teses fundamentais sobre investigação criminal de autoridades com foro por prerrogativa de função. Primeiramente, determinou que não há necessidade de autorização judicial prévia para iniciar investigações contra essas autoridades, sendo suficiente apenas a supervisão judicial posterior. Além disso, confirmou que a ausência de autorização prévia não gera nulidade automática do procedimento, exigindo-se a demonstração de prejuízo concreto ao investigado.

Em quais fundamentos legais o tribunal baseou sua decisão?

A decisão encontrou respaldo principalmente no Decreto-Lei nº 201/1967, especificamente em seu artigo 1º, inciso XIV, que tipifica o crime de descumprimento de ordem judicial por prefeito municipal. Simultaneamente, o tribunal aplicou o Código de Processo Penal, artigo 5º, inciso II, que estabelece as regras gerais para instauração de inquéritos policiais. Consequentemente, o entendimento jurisprudencial consolidado foi de que não existe comando normativo específico exigindo autorização prévia para investigações de autoridades com foro estadual.

Como a jurisprudência do STF influenciou esta decisão?

O Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento sobre o tema através do julgamento da ADI 7083, relatada pela Ministra Cármen Lúcia, em 16 de maio de 2022. Contudo, o STJ destacou que no momento da instauração do procedimento investigatório (maio de 2020), ainda havia oscilação jurisprudencial sobre a matéria. Portanto, a Subprocuradoria-Geral de Justiça atuou de acordo com o entendimento então vigente, orientando-se pela jurisprudência das Cortes Superiores que dispensava autorização prévia.

Por que não houve reconhecimento de nulidade no procedimento?

O tribunal fundamentou sua decisão na ausência de prejuízo concreto ao investigado. Especificamente, as diligências realizadas durante o procedimento investigatório consistiram apenas em juntada de cópia da ação de cobrança e antecedentes criminais. Dessa forma, não se verificaram atos invasivos que pudessem comprometer os direitos da defesa. Finalmente, aplicou-se o princípio “pas de nullité sans grief” (não há nulidade sem prejuízo), consolidado na jurisprudência brasileira.

Qual o tratamento dado às investigações já em andamento?

O STF, através da ADI 7447, julgada em 21 de novembro de 2023, estabeleceu que procedimentos investigatórios já instaurados não devem ser anulados, mas sim regularizados. Igualmente, determinou que tais procedimentos sejam enviados ao tribunal competente para análise sobre a justa causa para continuidade das investigações. Entretanto, no caso concreto, essa regularização não era mais necessária, pois o investigado já havia deixado o cargo de prefeito quando da pacificação jurisprudencial.

Como o STJ distingue investigação de medidas invasivas?

O tribunal estabeleceu clara distinção entre atos investigatórios ordinários e medidas invasivas de direitos fundamentais. Por um lado, atos como coleta de documentos públicos, juntada de antecedentes criminais e oitiva de testemunhas dispensam autorização judicial prévia. Por outro lado, medidas que importem em quebra de sigilo, busca e apreensão ou interceptações telefônicas exigem autorização judicial específica, em observância ao princípio da reserva de jurisdição.

Qual o impacto da mudança jurisprudencial na validade dos atos?

O STJ reconheceu que a Subprocuradoria-Geral de Justiça atuou de boa-fé, baseando-se na jurisprudência então vigente das Cortes Superiores. Nesse contexto, aplicou-se o princípio da confiança legítima e da segurança jurídica, impedindo que mudanças jurisprudenciais posteriores retroagissem para anular procedimentos conduzidos conforme o entendimento anterior. Ademais, o tribunal considerou que exigir autorização prévia poderia violar o princípio acusatório, que distribui as funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos.

Como ficou definido o controle judicial nas investigações?

A decisão confirmou que o controle judicial deve ser posterior aos atos investigatórios ordinários, não prévio. Contudo, estabeleceu que medidas invasivas continuam sujeitas à reserva de jurisdição, exigindo autorização judicial específica. Desse modo, manteve-se o equilíbrio entre a eficácia das investigações e a proteção dos direitos fundamentais, especialmente quando se trata de autoridades com foro por prerrogativa de função.

Conclusão

A tese jurídica consolidada pelo Superior Tribunal de Justiça estabelece que:

“1. A investigação criminal de autoridade com foro por prerrogativa de função não exige autorização judicial prévia, bastando a supervisão judicial posterior. 2. A ausência de autorização judicial prévia não acarreta nulidade se não houver demonstração de prejuízo concreto ao investigado”

(STJ. Sexta Turma. HC 962.828. Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior. julgado em 12/08/2025) [inf. 859]

Página principal

Cuidados maternos podem ser considerados trabalho para remição de pena?

Uma mulher encarcerada permaneceu na ala de amamentação do estabelecimento prisional cuidando de seu filho recém-nascido durante aproximadamente seis meses. Posteriormente, a defesa solicitou que esse período contasse como trabalho para fins de remição de pena. Entretanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido. Além disso, alegou que os cuidados maternos constituem dever legal e constitucional da mãe, não se equiparando ao trabalho previsto na Lei de Execução Penal. Consequentemente, a Defensoria Pública impetrou habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça questionando essa decisão. Por fim, buscou uma interpretação extensiva do conceito de “trabalho” para incluir os cuidados maternos.

O Raciocínio do STJ em perguntas e respostas

Qual foi a principal controvérsia analisada pelo STJ neste caso?

A questão central consistia em determinar se os cuidados maternos prestados pela apenada ao filho na ala de amamentação do presídio podem contar como trabalho para fins de remição de pena. Além disso, o tribunal analisou a interpretação extensiva do artigo 126 da Lei de Execução Penal (LEP).

Como o STJ fundamentou juridicamente a possibilidade de equiparação dos cuidados maternos ao trabalho?

O tribunal baseou sua decisão em diversos fundamentos constitucionais e legais. Primeiramente, destacou que o artigo 7º, inciso XVIII da Constituição Federal equipara o período de licença-maternidade ao trabalho. Consequentemente, assegura não apenas o emprego mas também o recebimento do salário durante 120 dias após o nascimento. Além disso, essa interpretação transcende a esfera trabalhista e atinge a previdenciária. Portanto, o benefício conta como período de contribuição para fins de aposentadoria.

Quais instrumentos internacionais fundamentaram a decisão?

O STJ citou dois importantes tratados internacionais. Inicialmente, mencionou o artigo 24 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, que estabelece que os Estados devem adotar medidas apropriadas para assegurar a nutrição plena da criança. Além disso, inclui o aleitamento materno. Adicionalmente, citou o artigo 11.2 da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. Consequentemente, eleva a licença-maternidade como medida necessária para coibir a discriminação da mulher e efetivar o seu direito ao trabalho.

Como a jurisprudência anterior influenciou esta decisão?

O tribunal destacou que a jurisprudência já vinha flexibilizando as regras de remição para reconhecer atividades não expressas no texto legal. Conforme precedente citado, esta Corte tem reconhecido a remição através de atividades como leitura, estudo por conta própria e tarefas de artesanato. Portanto, seria razoável aplicar o mesmo entendimento aos cuidados maternos. Ademais, tais cuidados possuem caráter ressocializador reconhecido.

Qual a importância da perspectiva de gênero nesta decisão?

O STJ enfatizou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero do CNJ. Assim, orienta magistrados a considerarem as desigualdades de gênero nos processos judiciais. Além disso, o tribunal reconheceu que a interpretação extensiva do termo “trabalho” é essencial para garantir equidade de gênero no acesso à remição. Particularmente, considerou que as mulheres encarceradas enfrentam dificuldades significativamente maiores para reduzir o tempo de cumprimento da pena. Consequentemente, isso ocorre devido à sua responsabilidade no cuidado de crianças pequenas.

Como o tribunal caracterizou a natureza dos cuidados maternos?

O STJ estabeleceu que a amamentação e os cuidados maternos constituem formas de trabalho que exigem esforço contínuo, dedicação e tempo. Ademais, são indispensáveis ao desenvolvimento saudável da criança. Portanto, o tribunal rejeitou a argumentação de que tais cuidados constituem meramente deveres legais. Consequentemente, reconheceu seu valor social e econômico substantivo.

Qual foi o posicionamento contrário apresentado no julgamento?

O voto divergente, liderado pelo Ministro Joel Ilan Paciornik, argumentou que a equiparação violaria o princípio da legalidade penal. Segundo essa corrente, os cuidados maternos constituem direitos constitucionais assegurados pelo artigo 5º, inciso L e pelo artigo 227 da Constituição Federal. Portanto, não se configuram como trabalho no sentido técnico-jurídico da LEP. Adicionalmente, alertaram para riscos de violação do princípio da isonomia. Além disso, destacaram a necessidade de parametrização legal adequada.

Como o tribunal definiu a quantificação do período para remição?

O tribunal determinou que o período a considerar deve abranger todo o tempo compreendido pela amamentação e cuidado do filho no cárcere. Assim, seguiu o previsto no artigo 83, parágrafo 2º da LEP. Consequentemente, estabelece que os estabelecimentos penais destinados a mulheres devem contar com berçário onde as condenadas possam cuidar de seus filhos por, no mínimo, até seis meses de idade.

Tese Fixada

Tese fixada: “1. A interpretação extensiva do termo ‘trabalho’ no art. 126 da LEP inclui os cuidados maternos como atividade para fins de remição de pena. 2. A amamentação e os cuidados maternos constituem formas de trabalho para remição de pena, considerando sua importância para o desenvolvimento da criança. 3. As desigualdades de gênero devem orientar as decisões judiciais, eliminando estereótipos que influenciam negativamente as decisões”. (STJ. 3ª Seção. HC 920.980/SP. julgado em 13/08/2025) [inf. 859]

Temas repetitivos do STJ